Vários são os motivos que levam muitos brasileiros a morar fora do país, assim como os que os trazem de volta à terra natal. As duas decisões são consideradas difíceis por quem já passou pela experiência e fazem parte do pacote que os cientistas chamam “choque cultural”. Mas o que acontece aos brasileiros que decidem visitar o Brasil ou mesmo voltar a morar no país?
É importante ressaltar que existe uma diferença entre visitar um país e morar nele. Quando visitamos um determinado lugar, tendemos a não nos importar tanto com as coisas de que não gostamos e com as diferentes maneiras de ser e viver das pessoas do local. Temos a clareza de que ali não é a nossa morada e logo mais vamos embora, pois estamos apenas de passagem e tendemos a relaxar e a ser menos exigentes. Porém, sempre fazemos um juízo de valor sobre o lugar: podemos gostar e, quem sabe retornar, ou detestar e decidir que foi a primeira e a última vez que pisamos naquele solo.
Quando você decide mudar de país, decide mudar praticamente tudo na sua vida. É como nascer de novo dentro de uma mesma existência, só que em um lugar diferente. Nos primeiros dias morando fora de casa, a empolgação toma conta de vários momentos. Queremos conhecer todos os pontos turísticos e tiramos foto de tudo, considerando importante registrar cada nova experiência. Com o tempo, a tomada de consciência de que mudamos de vida vai se tornando mais forte e começamos a sentir saudade de tudo o que deixamos. A vontade de voltar aumenta a cada telefonema dado à família. Pensamos sobre os motivos que nos levaram a decidir sair de uma zona de conforto e passar por toda uma readaptação em um novo lugar. O choque cultural que atinge os brasileiros em terras estrangeiras percorre o caminho oposto e invade os brasileiros que retornam ao Brasil. Mas que choque cultural é esse, já que estamos voltando para casa? Muitas vezes quem morou fora do país, passa a ter dois ou mais países dentro do coração. Muitos que já passaram pela experiência afirmam que voltar a morar no Brasil é mais difícil para se adaptar do que o contrário.
Voltando para o Brasil, os primeiros momentos são de alegria e euforia, pois rever tudo e todos, experimentar comidas e estar em lugares de que tanto sentíamos saudades é algo único. Em um segundo momento, começamos a tomar consciência de que nem tudo está como antes, e isso começa a incomodar. As grandes expectativas passam a ser frustradas. Na fase seguinte, começamos a nos incomodar com as regras sociais e tudo o que nos fez ir embora do país e que já tínhamos esquecido. Em um quarto estágio, temos sentimentos negativos por quase tudo, pois precisamos nos readaptar ao mercado de trabalho, ao estilo de vida e à cultura. A irritação passa a ser um sentimento permanente. Em um quinto momento, quando o reconhecimento do lugar, a readaptação à língua, costumes e cultura passam a ser mais estáveis, sentimos que é possível, sim, voltar a morar ali e nos reintegrar socialmente, mesmo que ainda sentindo falta do que deixamos para trás.
Como você vai se sentir ao retornar ao Brasil está muito relacionado ao tempo em que morou fora e ao quanto absorveu da cultura do lugar em que viveu ou está vivendo. Ter consciência de que as pessoas e o lugar que você deixou não serão mais os mesmos quando você retornar, poderá ajudar na sua readaptação.
O texto é baseado em relatos de pessoas, nomes fictícios para preservar a identidade das entrevistadas, que já passaram pela experiência:
“Moro há 12 anos fora do Brasil e, quando fui visitar o país, pude perceber que já não me enquadro em muitas coisas de lá. ” – Rogéria morou por quatro anos nos Estados Unidos e atualmente mora no Canada.
“Eu me senti uma estrangeira no meu próprio país. Tudo era estranho, eu continuava pensando em inglês, e pedia muitas desculpas quando esbarrava em alguém. Não consigo mais pensar que tudo tem um jeitinho brasileiro. ” – Fabricia morou dois anos no Canadá e hoje mora no Brasil.
“Eu me sinto estrangeira cada vez que vou ao Brasil. Essa sensação de estranhamento acontece quando me deparo com situações socioculturais a que não estou mais habituada, por exemplo, ouvindo pessoas falando tão alto. ” – Lúcia mora há oito anos no Canadá.
“Não me imagino mais vivendo no Brasil. Muitas coisas de lá me incomodam, como o excessivo materialismo e a vaidade sem fim. Essas são coisas que nunca fizeram parte do meu mundo e que agora fazem menos ainda. ” – Ivana que mora há mais de 15 anos fora do Brasil. Residiu em Israel, Suécia, Alemanha, Dublin e Holanda.
“Bem, nos primeiros anos em que voltei ao Brasil não me senti estrangeira, mas já via o Brasil com um olhar diferente de antes. Com o passar dos anos, veio um sentimento de não fazer parte somente de uma cultura, mas de duas.” – Solange mora há 10 anos nos Estados Unidos.
“Brasileira nascida e criada na nação varonil nunca senti e jamais me sentiria uma estrangeira em um país que é o começo de toda a minha existência. Estrangeira eu me sinto, sim, mas fora do Brasil.” – Elaine mora há mais de 20 anos fora do Brasil. Residiu na Alemanha e está hoje no Canadá.
Lila Rosana nasceu em Belém do Pará, onde formou-se em psicologia clínica e organizacional. Tem especializações em educação infantil, ludoterapia e estresse pós traumático. Atualmente vive em Vancouver, no Canadá.
Texto: Lila Rosana Foto: Flavio Almeida