A brasileira Gabrielle Li fala sobre a maternidade na China

Gabrielle Li tem 26 anos, nasceu em Recife e foi criada na cidade de São Paulo. Ela mora na China há cinco anos, é casada com o chinês Li Zeyu e tem um filho chamado Luan. Gabrielle é dançarina profissional e modelo fotográfica. Na China ela trabalhava com dança nas temporadas de verão em um parque temático na cidade de Shenzhen, no sudeste da China. Hoje ela continua seus trabalhos como modelo, live streamer* e criadora de conteúdo tentando conciliar a maternidade e a vida profissional. A seguir ela nos fala em uma entrevista sobre ser mãe estrangeira na China.

Quais os desafios da maternidade na China?

Sendo bem sincera até agora não tive nenhum desafio em maternar no país com a maior população mundial! Mas acredito que terei um grande desafio futuramente por questões culturais. Acho que o fato de eu não falar com o Luan em mandarim seja algo que cause estranheza para ele no futuro e para os demais, porque mesmo que ele venha a ser alfabetizado em mandarim eu pretendo falar com ele apenas em português, para que ele cresça tendo o idioma como segunda língua. Outro ponto que pode causar estranheza é a liberdade que queremos que ele tenha em escolher o que quer para o seu futuro. Que ele possa ser livre para escolher o que estudar, onde estudar, sem pressão para casar e ter filhos. Mesmo sendo algo mais do tempo antigo, ainda se faz presente em algumas regiões e famílias com pais mais conservadores. Existem alguns aspectos como este na cultura chinesa que não são do meu agrado. Eu não julgo, mas não é cabível na minha maternidade.

A gravidez é um momento importante na vida de uma mulher, mas não é fácil quando a família não está por perto. Conte um pouco sobre sua experiência.

Sempre fui muito determinada e livre, fui criada assim! Um reflexo da minha mãe que foi sempre do mundo também. Aos 19 anos fui morar na Itália, desde então comecei a viver um dos meus maiores sonhos, que era viver da dança enquanto conhecia o mundo. Consequentemente passei muitos momentos “sozinha”, inclusive os momentos mais especiais da minha vida como meu casamento e a gestação. Mas mesmo sendo difícil, foram situações em que me senti preparada. A minha família se resumi à minha mãe Laura, que infelizmente faleceu este ano e meu irmão. Ambos nunca puderam viajar por longas distâncias. O relacionamento com minha mãe era muito estreito e ela pôde acompanhar um pouco meu trabalho de parto através de uma chamada de vídeo. Infelizmente aqui na China, em hospital público, não é permitido gravar o parto.

Quais os direitos das mulheres grávidas na China?

Eu sempre ouvi que não existem benefícios ou filas preferências em locais públicos, por exemplo. Pelo menos não aqui na cidade de Chengde, onde eu moro, mas perguntei para minha amiga chinesa para me assegurar de que o que eu sabia era certo. E de fato não existem benefícios! Todos os exames, remédios e parto são autofinanciados! Para as mamães que tem seguro social (tipo nosso plano de saúde) uma parte dos gastos são ressarcidos! Mas não vejo isso como um benefício.

Quantos filhos podem ter os estrangeiros e os chineses?

Recentemente o governo chinês permitiu que um casal pode ter até três filhos, devido à queda da taxa de natalidade nos últimos anos. Mas diferente de casais chineses essa regra não se aplica para nós que somos um casal interracial. Nós não temos um limite permitido pelo governo, podemos ter quantos filhos nós quisermos! O que nos deixou bem felizes, pois queremos ter pelo menos uns três ou quatro! Queremos transformar nossa “pequena família”, como eu costumo chamar, em uma grande família.

Existe diferença entre a China e o Brasil durante o acompanhamento pré-natal e no parto?

O acompanhamento é bem diferente. Não sei se é assim na China toda, afinal as coisas aqui costumam diferir de província para província. Mas na minha cidade eles começam a fazer o pré-natal para valer só a partir do terceiro mês de gestação, que é geralmente quando os riscos de abortos espontâneos caem consideravelmente. Aqui na China é proibido saber o sexo antes do nascimento, então para evitar que isso aconteça além de não ser permitido acompanhantes nas consultas, não há monitor para que a mamãe possa ver a ultrassom. Uma vez ou outra o médico(a) mostra algo, mas vai da boa vontade dele(a). Todas essas questões que estou relatando são em hospitais públicos. Em hospitais particulares ou internacionais essas regras não se aplicam. Como o pré-natal começa a valer mesmo só após o terceiro mês, aquele acompanhamento mensal e exames importantes do início da gestação, que são feitos no primeiro trimestre no Brasil, aqui não acontecem. O exame morfológico, por exemplo, que deve ser feito a cada trimestre, aqui é feito uma única vez, sendo realizado no segundo trimestre. Um fato interessante: na China, cesarianas não são feitas somente em casos de emergência ou necessidade. A futura mamãe pode sempre escolher qual tipo de parto prefere e assim agendar. No parto, assim como nas consultas, não é permitido acompanhantes, nem filmagens. Esse é um momento tão único e especial na vida dos pais e essa lei acaba os privando de vivenciar isso juntos. Eu tive muita sorte! Quando eu fui para o hospital, os médicos de plantão não falavam inglês e eu também fingi não entender nada de mandarim. Assim foi necessário meu esposo estar presente em todos os momentos para fazer a tradução. Então ele acompanhou o nascimento do Luan bem de pertinho. Sou muito grata por isso.

Como funcionam as leis de licença-maternidade na China?

Na minha província, em trabalhos comuns e registrados, as mães têm 158 dias de licença-maternidade mantendo metade do salário ativo. Após voltar ao trabalho elas têm direito a duas horas por dia para amamentação por um período de 158 dias até o primeiro ano de vida do bebê. As mães que conheço usam essas duas horas para fazer a retirada do leite e levar para casa. Agora em trabalhos em que não há registro acaba sendo um acordo do empregado com o empregador.

Conte um pouco sobre o tema amamentação na China.

As informações sobre amamentação aqui são bem escassas! Durante todo meu pré-natal a amamentação nunca foi abordada e era o que mais me assustava na maternidade! Com a falta de informação presencial, eu busquei por uma consultoria online e foi realmente essencial pra mim. Então quando o Luanzinho nasceu eu já estava preparada e sabia exatamente o que fazer e fui muito elogiada por isso. A amamentação aqui parece ainda ser um grande tabu. Nesses cinco anos de China, eu nunca vi uma mãe chinesa amamentando em público. De certa forma as mulheres chinesas são reservadas, talvez o ato de amamentar em público as deixe constrangidas e com receio dos olhares das pessoas em volta. Enquanto o Luan estava mamando exclusivamente no peito, eu o amamentava em público sem nenhum problema. Ser estrangeira aqui já chama atenção, imaginem uma estrangeira fazendo algo bem fora do comum! As mulheres mais velhas sempre foram as que mais olhavam desacreditadas. Mas como eu já estou acostumada, principalmente por morar em um interior com pouquíssimos estrangeiros, até se eu estivesse fazendo algo comum, chamaria atenção.

Escreve-se que apenas um em cada cinco bebês são amamentados na China. É verdade?

Eu não tenho certeza desses números, mas também não duvido! Tendo em vista a minha experiência no período de gestação, quando a amamentação não foi abordada nenhuma vez durante as consultas de pré-natal. Outro fator que me faz acreditar é que nos itens solicitados pela maternidade a fórmula infantil já está inclusa! Parece louco né? Mas é verdade! Quando o Luan nasceu e fomos para o quarto a médica nos perguntou sobre a fórmula para dar para o bebê e nós dissemos que não compramos, pois eu ia amamentar. Elas acharam super estranho e até questionaram o meu marido. Mas ele apenas respondeu que eu queria assim. Elas me achavam louca com certeza.

A maternidade pode ser interpretada de forma diferente dependendo da cultura. Como você definiria a maternidade chinesa?

A maternidade na China é cheia de regras! Desde a gestação a mulher é “proibida” de fazer uma série de coisas, como, por exemplo beber água gelada, lavar os cabelos com frequência, usar maquiagens entre outros. É mais por um aspecto de superstição, que vai sendo levado de geração em geração. E fica ainda pior depois que o bebê nasce, pois, segundo a cultura, não é recomendado lavar os cabelos durante os primeiros quinze dias e nem tomar banho e escovar os dentes nos primeiros três dias, coisas que podem desencadear problemas nas articulações e até mesmo problemas cerebrais. Para os mais velhos o corpo da mulher está muito sensível e vulnerável nesse momento. Nada disso é comprovado cientificamente, mas é algo ainda muito presente na cultura chinesa e é muito seguido pelas mães chinesas. Mas é algo que para elas é normal e está tudo bem. Assim como é normal também as avós paternas cuidarem dos bebês quando são recém-nascidos ou quando já estão maiores e os pais precisam voltar para a rotina de trabalho. Eu acho estranho, pois priva a mãe de muitos momentos especiais como o primeiro banho em casa, que acaba sendo realizado pela avó, por exemplo. As avós são muito preocupadas, chega até ser exagerado. Muitas se pudessem amamentar penso que o fariam. Só deixando claro que estou falando conforme a minha vivência nas cidades que morei na China. Obviamente existem exceções. Gosto de ressaltar essas coisas porque tudo que gira em torno da maternidade é muito singular.

Por que as chinesas não querem engravidar apesar do fim da política de um filho?

Porque é caro!!! Ter filho é caro em qualquer lugar do mundo, mas na China é MUITO caro! Agora o governo permite ter até três filhos, como já comentei anteriormente, mas a maioria dos casais quer apenas um, porque o custo de se ter um filho aqui é muito alto, principalmente com educação. Nós estamos falando sobre a maior população mundial, logo tudo aqui é muito concorrido, então os pais investem pesado na educação para que seus filhos venham ter os melhores empregos e melhores condições financeiras futuramente. E quando digo investir em educação, não é só na escola não! As crianças chinesas fazem muitas atividades extras durante toda semana. Então após as aulas existem aulas de idiomas, danças, instrumentos e esportes. Inclusive nos finais de semana. Fora que a mensalidade escolar é muito alta. Então acredito que esse é o maior fator dos casais chineses não quererem ter um segundo filho. A maioria das minhas amigas chinesas já são casadas e com filhos na faixa etária de três anos e não pensam em ter mais filhos. Sempre que eu digo que estou planejando ter mais bebê no ano que vem, elas me acham louca.

Existe uma rede de apoio para facilitar a volta da mulher ao trabalho?

A rede de apoio mais comum na China são os avós paternos. Como as mulheres quando casam passam a “pertencer” à família do marido, geralmente os cuidados com o bebê ficam por parte dos avós paternos. Mesmo não sendo uma regra, na grande maioria é assim que funciona. Aqui não é muito comum creche para bebês, então geralmente os avós cuidam até que a criança já tenha a idade de ir para a escolinha, com cerca de dois anos. Isso é muito estranho para mim, é como se eu tivesse um filho e desse para outra pessoa criar. As amigas da minha sogra não entendem porque ela não cuida do Luan! Algumas mães deixam os filhos na casa da avó e trabalham a semana toda e só vêem a criança nos finais de semana. Às vezes elas não têm escolha, mas meu coração dói só de pensar em ficar longe da minha cria. Mas mais uma vez eu digo, cultura assim como religião é algo que não se discute.

Qual sua opinião sobre a prática do bilinguismo em casa?

Falar mais de um idioma é um benefício e tanto para vida de qualquer pessoa. E quando o bebê tem pais de nacionalidades diferentes ele é muito privilegiado, digamos assim. Aqui em casa temos três idiomas presentes diariamente. O português, o inglês e o mandarim. Nós queremos introduzir inicialmente dois idiomas para o Luan, então eu só falo com ele em português e o pai só fala com ele mandarim. O inglês será algo que ele irá aprender por nos ver falando, mas não é algo que vamos parar para ensinar de imediato. A alfabetização dele será em mandarim, mas o ensinarei o português em casa como segunda língua. A criança tem uma absorção de aprendizado muito mais rápida do que um adulto. Então antes mesmo dele nascer eu e meu esposo já havíamos falado sobre isso e desde a barriga falávamos com ele em idiomas diferentes e assim seguimos.

Nos conte como é a sua rotina após a maternidade.

Minha rotina é bem incerta por causa dos meus trabalhos. Eu trabalho atualmente como criadora de conteúdo, live streamer e modelo. Então minha rotina com o Luan sempre vai depender do que eu tenho para fazer naquele dia. Nos dias mais tranquilos eu acordo as 6:00 da manhã, que é o horário que ele costuma acordar, amamento e deixo ele com meu esposo e vou fazer a minha primeira live. A live tem duração de uma hora, então quando termino vou tomar meu café da manhã e começar as atividades com o Luan até a hora da primeira soneca, que geralmente dura em torno de duas horas. Nesse tempo eu dou uma olhada na agenda e se não tenho conteúdo para gravar eu tento já adiantar as coisas do próximo dia. E quando ele acorda voltamos para as atividades ou o levo para passear.

Agora em dias corridos, fazemos toda essa rotina da manhã e na primeira soneca eu gravo os conteúdos para as marcas e mando para edição, se preciso fazer gravações externas nós esperamos o Luan acordar e vamos gravar! O mesmo acontece quando tenho ensaio fotográfico para fazer, levo ele para o estúdio e meu esposo me acompanha. A rotina dele é mais flexível que a minha, então em dias de fotos ele vai comigo e fica com o Luan lá. Nos intervalos para troca de roupa e maquiagem, eu aproveito para amamentar. O Luan já toma a fórmula infantil, mas ele é muito grudado comigo e como meu trabalho me permite ficar com ele o tempo todo não vejo problemas em levá-lo. Uma vez deixei ele em casa com meu esposo e foi uma péssima experiência. Ele não tirou as sonecas porque eu não estava perto, ficou extremamente agitado e muito choroso. Desde então ele sempre vai comigo e funciona super bem. Então você vê que na verdade não tenho rotina. Vida de mãe não é fácil.

Quais conselhos você daria para grávidas e mães de primeira viagem no exterior?

Se eu posso dar um conselho é: confie no seu instinto materno. Quando somos mães de primeira viagem temos muitas inseguranças. Mas quando nós paramos e ouvimos nosso instinto, sabemos o que devemos fazer. Você mamãe é exatamente o que seu bebê precisa, assim como seu bebê é o que você precisa. Vocês se completam, então ouça mais seu instinto e menos a opinião do próximo. Esteja onde estiver, o seu instinto sempre será seu melhor amigo. Eu também não acreditava, mas funciona!

“Confie no seu instinto materno. Você mamãe é exatamente o que seu bebê precisa, assim como seu bebê é o que você precisa. Vocês se completam, então ouça mais seu instinto e menos a opinião do próximo. Esteja onde estiver, o seu instinto sempre será seu melhor amigo. “

Gabrielle Li

Acompanhe Gabrielle no Instagram: @gabriellelsouza

Créditos:

Fotos gravidez no estúdio e amamentação: STUDIO IRI CHENGDE

Fotos gravidez no campo: LEAH – CHENGDE

Fotos praia: Director – Qinhuangdao

* O que é um live streaming? Live Streaming é a transmissão ao vivo de dados pela internet, em áudio ou em vídeo. Popularizado com o desenvolvimento digital, trata-se de um recurso muito interessante para engajar sua audiência e realizar eventos de todos os tamanhos.

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Sobre Claudia Bömmels

Claudia Bömmels é fotógrafa, contadora de histórias, viajante e editora da Brasileiros Mundo Afora. Atualmente ela mora em Nanjing na China.

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