Filhos e o consumo consciente no Natal

O Natal é uma data religiosa, mas sua comercialização está enraizada na nossa cultura. O consumo natalino reforça a ideia de que as crianças precisam ser boas para receber o que desejam.

A visão distorcida desta época continua inabalável a cada Black Friday, que acontece um mês antes do Natal e o Boxing day, que acontece um dia após o Natal, tradicionais nos Estados Unidos e Canadá e têm conquistado cada vez mais o mundo. Essas datas nos mostram a preocupação comercial em vender os mais variados produtos dentro de um curto espaço de tempo. Em muitos lugares, as pessoas literalmente enlouquecem. 

Gostaria de sugerir algo diferente: que tal aproveitarmos essa época para trabalharmos com os filhos conceitos de educação para consumir menos, conversar sobre administração financeira e principalmente sobre  solidariedade e desapego?

Será que filhos precisam realmente de tantos presentes?

O que experimentamos quando abrimos um presente, além do elemento surpresa? Sentimos uma emoção positiva de curta duração. Ao abrirmos os muitos pacotes no Natal, essa ação ativa o sistema de recompensas em nossos cérebros em um nível superficial, que não fornece sentimentos de felicidade mais profundos e de longo prazo. Os pais devem pensar sobre como a cultura do consumo influencia os filhos, sendo importante ressaltar a possibilidade de dar presentes baseados em experiências ao invés de simples bens materiais.

Mudança de hábito

Na minha opinião, o conceito de dar e receber presentes não precisa ser eliminado da relação entre pais e filhos, mas precisa ser revisto, pois não é a única demonstração de amor possível em datas comemorativas. Devemos pensar que presentes, além de felicidade e alegria imediatas, também podem nos trazer sentimentos mais significativos como amor, conexão e desenvolvimento do consumo consciente. 

Como desenvolver uma diferente cultura de dar e receber presentes?  Aqui estão alguns conselhos práticos:

  • Tradições familiares: estabeleça tradições familiares com valores que você deseja que seus filhos associem ao feriado. Presenteie com uma experiência e explique como ela se alinha com algo que sua família valoriza.
  • Investimento próprio: quando as crianças tiverem idade suficiente para fazer as coisas sozinhas, você pode oferecer-lhes mais liberdade para pedir o que desejam, mas eles também devem contribuir com isso. Se seu filho quer visitar um amigo do outro lado do país, por exemplo, pague os voos, mas ensine-o a economizar para levar seu próprio dinheiro para usar na viagem.
  • Presentes baseados em experiências: você pode dar presentes materiais ligados à experiências, para que seus filhos possam desembrulhar algo. Se eles gostam de esquiar, você pode comprar um passe para a temporada de esqui ou itens que eles precisem para aproveitar o tempo na montanha. 
  • Faça você mesmo: incentivar as crianças a criar os próprios presentes para amigos, familiares e professores é uma excelente maneira de mostrar que o  verdadeiro valor de um presente não está em quanto custou, mas com quanto amor e dedicação ele foi feito.
  • Presentes de acordo com a situação financeira: é preciso ter coerência nas decisões sobre a escolha dos presentes, e eles precisam corresponder à condição financeira da família. Endividar-se para dar um presente nunca será uma boa alternativa.
  • Consumo consciente: mesmo quando a carência financeira não é um problema, é fundamental conversar e conscientizar os filhos sobre seus valores, desejos e necessidades. Formar um consumidor consciente é um importante aspecto da educação de filhos.

Ao invés de dar presentes aleatórios ou simplesmente baseados no consumo temporário, invista em proporcionar momentos únicos neste Natal. A vida por si só já é um enorme presente e criar memórias incríveis com quem amamos é algo imbatível.

Depoimentos de pessoas mundo afora sobre como presenteiam no Natal.

“Sou mãe de um menino de seis anos. No nosso Natal, seguimos o exemplo que tive de meu pai. Logo no início de dezembro, fazíamos uma carta para o Papai Noel, onde eu escrevia sobre os meus feitos do ano e pedia meus presentes. Papai Noel atendia (provavelmente o que meu pai poderia arcar!) e deixava os presentes na árvore na madrugada de 24 para 25 de dezembro. Meu irmão e eu acordávamos super eufóricos para abrirmos os presentes. Era uma alegria! Assim faço com meu filho: escrevemos uma carta para Papai Noel e na manhã do dia 25, Joaquim acorda para abrir os presentes. Não temos métrica de merecimento, mas temos limites financeiros e uma regra válida para o ano todo, em qualquer ocasião: entrou um brinquedo, sai outro, assim como roupas ou livros. Normalmente doamos o que o Joaquim já não tem mais interesse, dando a oportunidade a outras crianças de aproveitarem presentes ainda em excelentes condições.” Luana Gether

“Amo a magia do Natal! Meus filhos têm cinco e sete anos e ainda acreditam que Papai Noel traz os presentes. Temos a tradição de escrever uma cartinha e colocá-la na meia de Natal, que “desaparecerá” no outro dia.  Na noite do dia 24, colocamos biscoitos e leite para Papai Noel e no dia 25 a magia do Natal acontece, quando o leite foi tomado, os biscoitos foram mordidos (por mim) e os presentes encontram-se embaixo da árvore. Na nossa casa, as crianças podem fazer três pedidos, sedo que o Papai Noel trará somente um. Tenho horror a dar um monte de presentes e depois eles não dão valor. Como somos apenas nós quatro, eles só têm estes presentes que damos, não ganham dos avós e outros familiares. Durante o ano, eles ganham outros presentes, como de aniversário ou se fazem algo que mereçam muito. O meu filho mais velho estava com dificuldades em leitura e, com muito esforço, ele conseguiu melhorar bastante até não haver mais a necessidade de fazer aulas de reforço. Neste dia, ele pôde escolher um presente. Vale ressaltar que sempre que eles ganham algum brinquedo, falo que temos que nos desfazer de outro, estando livre para decidir o que doar.” Vanessa Montagner

“Tenho dois filhos, um menino de sete e uma menina de 15 anos. Aqui, comemoramos o Natal basicamente como no Brasil, na noite do dia 24 e no dia 25. Não tenho o hábito de comprar presentes de Natal e nem de perguntar-lhes o que querem ou gostam. Ao longo do ano vou percebendo o que eles querem e precisam, não compro coisas caras e nem vou em lojas com eles para escolherem presentes. Gosto de comprar o que tenho vontade, o que percebo que será bom para eles, pois não quero que entendam que o Natal é sobre presentes. Sou cristã e ensino meus filhos sobre a partilha. Doamos em instituições de caridade os brinquedos e objetos que não são mais usados na nossa família, mas que podem ser úteis para outras pessoas. Temos o habito de revender o que não precisamos ou não utilizamos mais. Não temos a cultura do consumo dessa época natalina. Até mesmo a nossa ceia natalina é algo muito simples, pois sabemos que muitas pessoas não têm o que comer, então praticamos essa conscientização aqui em casa. Não gosto de ensinar que nessa época nos “entupimos de comida”. Falo para eles sobre Jesus e seu nascimento e que ele nasceu numa manjedoura simples. Essa é uma mensagem de Natal muito importante para mim e quero transmitir para as pessoas, nessa época.” Patricia Karagulian

“O nosso Natal é bem tradicional. Comemoramos todos os Adventos com jantares em família e meus filhos são acostumados a cantar músicas e encenar peças natalinas, geralmente na casa da avó, e se envolvem muito nas preparações das festas de final de ano. Além disso, eles escrevem cartas para os membros da família, não havendo a necessidade de irem comprar presentes. Geralmente, eles nos presenteiam com seu tempo, ajudando mais nos afazeres domésticos, por exemplo. Em relação aos presentes, penso que somos bem generosos. Durante o ano, eles não ganham coisas sem razão, então o Natal é a oportunidade deles encontrarem embaixo da árvore o que muito desejam. É sempre uma noite muito especial. Cozinhamos juntos, colocamos a mesa bem bonita, cantamos, jogamos e nos damos os esperados presentes.  Elisabeth Meier

“Na minha casa, só presenteamos com eventos: teatro, balé, jogos diversos, cinema. Nem sempre foi assim, mas eu insisti muito e, enfim, todos na família aceitaram. A experiência vivida junta é sempre inesquecível, até mesmo quando nem tudo dá certo. Não se compara com presentes que abrimos às vezes somente por abrir. Indico para todos.” Miriam Neuenburger

“Meu filho pode escolher fazer coisas no Natal que quase nunca é permitido. Comer uma sobremesa fora de hora, assistir televisão até mais tarde, dormir ou acordar quando quiser. Gosto de presentear com passeios comigo que ele mesmo pode escolher. Sou mãe solteira e sinto que isso nos conecta bastante. Também gosto de dar presentes para que  ele desembrulhe. Penso que um mix de presentes é o caminho certo. Nada radical demais.”  Marcella Arantes

 

Texto de Lila Rosana   

Foto de Claudia Boemmels

Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Sobre Claudia Bömmels

Claudia Bömmels é fotógrafa, contadora de histórias, viajante e editora da Brasileiros Mundo Afora. Atualmente ela mora em Nanjing na China.

Os comentários estão desativados.