O novo normal – por Lila Rosana

A palavra “normal” é surpreendentemente moderna. Ela apareceu pela primeira vez no século 19 e o uso dela só decolou após a Segunda Guerra Mundial. Embora as origens da palavra não sejam certas, muito provavelmente deriva de “norma”, que é o latim para um quadrado de carpinteiro – uma ferramenta para garantir um ângulo reto perfeito.

Esta pandemia desmantelou rápida e violentamente as normas construídas ao longo de décadas; e o nosso “antigo normal” logo tornou-se uma memória. A pandemia desestabilizou quase todas as nossas estruturas sociais, perturbando o ritmo da vida familiar, amizade e formação de relacionamentos, assim como a vida profissional, educação e viagens, alterando também as nossas interações com a comida, esporte e artes.

Foto de Becca Steinhoff

É claro que após meses de isolamento, mudanças de comportamento e extremas mudanças de hábitos, há no ar uma sensação de que estamos perdendo a cabeça coletivamente. Percebemos que estamos vivendo uma experiência de um novo tempo, o qual não sabemos como sairemos no final de tudo isso.

Apesar da pandemia ser mundial, cada país, cada cidade, cada casa e cada pessoa recebe e expressa essa experiência de diferentes maneiras, mas uma coisa é certa: esses meses de isolamento alteraram significativamente nossos cérebros, pois estamos mais estressados, preocupados e ansiosos.

É importante lembrar que a pandemia também gerou mudanças na vida, tivemos que nos reinventar, sair da zona de conforto, sermos mais proativos. Tomando apenas uma área da nossa vida como exemplo (o campo profissional) tivemos que encontrar novos caminhos; seja para manter nossos empregos ou nossos negócios. Todos fomos afetados, direta ou indiretamente, mas fomos.

Aqueles que experimentaram a perda de um ente querido durante a pandemia podem perceber que sua dor poderá voltar à tona à medida que a vida volta ao novo normal. O aumento do luto patológico relacionado à pandemia será uma experiência coletiva em nível mundial causando o que chamamos de transtorno do luto prolongado.

O que as pesquisas falam sobre o isolamento social

Pesquisas ao redor do mundo, mostram que o estresse oriundo do isolamento, solidão e perda de pessoas queridas, tem um efeito prejudicial em nossa matéria cinzenta. Em um dos experimentos mais recentes ligados ao tema, os ratos que foram isolados durante 30 dias mostraram células nervosas menores em certas partes do cérebro, incluindo o hipocampo, que desempenha um papel importante na aprendizagem e memória. Estudos em roedores mostraram que o isolamento social de longo prazo está associado a anormalidades comportamentais, que se associam muito com uma lista de efeitos da pandemia: concentração e memória prejudicada, depressão, dificuldade em tomar decisões são apenas alguns exemplos dos efeitos causados ao cérebro.

Capacidade de adaptação

Depois de quase dois anos de brain fog (névoa mental), pensamos se algum dia recuperaremos o que perdemos. Bem, não podemos deixar de considerar que, o que há de bonito em nós como espécie, é que somos altamente adaptáveis ​​e inovadores.

A nossa facilidade de adaptação é uma boa notícia no meio dessa pandemia, pois as mudanças não vão desaparecer com um estalar de dedos. Recuperar a energia e o senso de normalidade leva tempo. Haverá o que chamamos de choque cultural reverso, o que significa nos readaptarmos ao que antes era nosso cotidiano.

Processo de readaptação

Para ajudar no processo de readaptação, será importante fazermos um balanço dos nossos hábitos que nos ajudaram a superar a pandemia e definir quais deles você gostaria de manter ou deixar de lado. Lembrando que estaremos imigrando de um ano de pijamas no sofá para dançar de salto em uma boate até as três da manhã, por exemplo.

Embora nossas mentes possam imaginar uma vida pós-COVID emocionante de festas, viagens e conversas cara a cara, nossos corpos podem precisar de tempo para recuperar o atraso. Devido a isso é importante não ter pressa em se reintegrar e correr o risco de se estressar ainda mais. Mudanças e adaptações exigem tempo!

Um exercício importante!

Para muitos, retornar à vida após COVID-19 vai ser algo mais tranquilo e natural, para outros poderá envolver ansiedade e medo. Para que o seu retorno à vida pós pandemia seja o mais tranquilo possível, será importante incorporar uma prática diária de auto verificação consciente; e para isso você precisará estar em um espaço tranquilo, onde não seja perturbado ou distraído. Você pode fazer esta prática deitado ou sentado. Se estiver sentado, procure uma postura que seja equilibrada e ereta (mas não rígida). Feche os olhos, se você se sentir confortável fazendo isso, mas também poderá apenas abaixar e suavizar o seu olhar. Esse tempo será reservado para sentir a si mesmo e perceber como você está, como estão seus sentimentos e pensamentos e sensações físicas.

“Em meio às demandas diárias é raro que as pessoas (consciente e deliberadamente) reservem alguns minutos para apenas perceber e sentir como estão. A maioria de nós está mais inclinado a fazer isso por um amigo próximo, seus filhos ou seu parceiro. Dirigir essa generosidade a você mesmo poderá lhe garantir momentos de tranquilidade. Com este pequeno gesto você estará exercitando uma mudança e resistindo à tendência de apenas seguir em frente. É importante reservar tempo e espaço para cuidar de si mesmo.”

Durante esse exercício, preste atenção ao seu momento e traga toda a sua atenção para as experiências de seu corpo, sua mente e quaisquer pensamentos ou emoções que você possa perceber. Não há necessidade de julgar, analisar ou avaliar sua experiência. O foco aqui é simplesmente estar totalmente consigo mesmo, no momento presente e deixar tudo acontecer. Se surgir uma tendência para julgar ou descobrir coisas, simplesmente observe e reconheça isso, então volte suavemente à consciência de como você está se sentindo. Continue direcionando sua atenção para as experiências de seu corpo, mente e emoções por cerca de três minutos. Reconheça a si mesmo. Conforme sua prática chega ao fim, mais uma vez reconheça sua vontade de perceber a si mesmo e estar presente no aqui agora, sabendo que, desta forma, você está contribuindo para sua integridade e bem-estar.

Preparar mente e corpo para o retorno ao “novo normal” é fundamental para a readaptação ao novo estilo de vida que estamos prestes a vivenciar.

Depoimentos de vivências durante a pandemia mundo afora

Becca Steinhoff, China

“No começo da pandemia, aqui na China, ficamos apavorados, não sabíamos o que estava acontecendo nos primeiros dias. Na televisão e na internet as notícias eram as piores possíveis. O desespero bateu, ficar trancada dentro de casa por dias era algo assustador, mas os dias foram passando e nós conseguimos nos acalmar e entender melhor a situação. Ficar dentro de casa era o mais certo a se fazer no momento e mesmo que quiséssemos sair não podíamos, era proibido. Então tentamos passar o máximo de tranquilidade possível para nossas filhas. Compramos muitos jogos pela internet (enquanto ainda entregavam compras pelo correios) e com isso conseguimos ocupar nosso tempo, nossa mente e distrair as meninas.

Eu sempre fui uma pessoa que saia de casa para bater perna todos os dias. Acordava, mandava as crianças para a escola e saia para desbravar minha cidade, era algo que eu realmente gostava demais de fazer, mas com a pandemia essa vontade passou. Hoje sinto uma preguiça absurda em sair de casa, me sinto muito desanimada a andar pelas ruas sozinha, passo dias fechada em casa, por outro lado eu me dediquei mais a aprender a cozinhar, quando o desânimo bate eu vou pra cozinha. Sair de casa todos os dias é algo que não tenho mais vontade. Passei a gostar de ficar dentro de casa.

Quando penso no que será após a pandemia, sinceramente não vejo mais nossa vida como antes, esse novo normal apesar de cansativo muitas vezes, é necessário. Já virou parte da rotina sair de casa com máscaras, álcool gel, apresentar código de saúde e medir temperatura ao entrar em algum lugar.

A pandemia me fez pensar muito mais no que realmente vale a pena, tanto em me relacionar com as pessoas, como em ter ou querer algo. Me fez achar normal a solidão, me fez achar normal ficar trancada tantos dias em casa. Ao mesmo tempo que ela me afetou nesse sentido, me fez abrir os olhos, ou me fez pensar muito mais em coisas e situações que não sou obrigada a passar, que antes eu fazia para agradar as pessoas e para não perder o momento e a companhia delas. Posso dizer que a pandemia me fez crescer de certa forma.”

Patrícia Karagulian, Inglaterra

“Meu nome é Patrícia Karagulian, sou advogada, casada, tenho dois filhos e moramos na Inglaterra. Para mim esse tempo pandêmico não foi ruim em relação a vida familiar, pois podemos estar mais unidos, pudemos brincar mais com as crianças, estivemos fazendo juntos pequenas coisas que antes eram mais difíceis de realizar. Acho que entre tudo que fizemos, o que mais nos distanciou dos problemas emocionais foram as atividades da igreja e os trabalhos manuais. Já não poder ir à escola foi muito difícil, pois estar entre amigos é muito importante. Além disso não poder viajar e rever a família no Brasil e nem os receber aqui, é um grande peso.”

Nane Regulle, Portugal

“Sou a Nane Regulle, moro em Portugal. Para mim, uma das coisas que mais me “acalentou” diante dessa pandemia, foi observar que alguns sentimentos como insegurança, medo, impotência foram expostos pelos quatro cantos do mundo. No começo sentia que pouco podíamos falar sobre eles sem sermos julgados, mas hoje isso se inverteu e falamos sobre esses sentimentos para nos fortalecermos, compartilhando e trocando experiências e aprendizados. Hoje me sinto mais segura diante desse novo estilo de vida que adotamos: Eu procuro preservar ao máximo o espaço do outro cobrando o mesmo para o meu próprio espaço, mas confesso que não foi nem fácil, nem tranquila essa adaptação; mas entendo que deve ser um dia de cada vez.”

Tainá Oliveira, França.

“Em março de 2020, o Ministério da Saúde, decreta a primeira morte por coronavírus no Brasil, aqui na França o mundo parou e começou nosso primeiro confinamento. Liguei para minha família no Brasil e compartilhei a realidade daqui, minha irmã falou que seria um complô da mídia contra o governo mas um mês depois ela mudou de opinião.

No meu ponto de vista a pandemia chegou tão rápido no ocidente, quase que como num piscar de olhos, era algo novo e de uma magnitude jamais imaginada nessa nossa geração. Quando o primeiro confinamento chegou eu estava saindo de uma crise de depressão e sem trabalho, então ficar em casa não me incomodou tanto, o que me incomodou foi a privação de não poder ir e vir aonde eu quisesse na hora que eu precisasse. Pra acalmar essa frustração comecei a passear por 1 hora num raio de 3km, o que era permitido. Era uma maneira de eu dizer à mim mesma << isso ninguém me tira >>. A ansiedade me ensinou a meditar, a ouvir música para dormir a noite, caminhar, assistir séries e filmes. Os cachorros da minha prima ficaram confinados comigo e eu comecei a querer (mais do que nunca) um cachorro.

Eu evoluí muito como pessoa durante a pandemia: recebi alta da terapia; consegui um trabalho na minha área e adotei um cachorro. Atualmente a expressão “estar alinhada com a vida” faz para mim, muito sentido.”

Claudia Bömmels, China

Patricia Oliveira, Portugal

“Me chamo Patricia Oliveira, moro em Lisboa, Portugal. Essa pandemia conseguiu fazer com que eu mudasse bastante. O tempo em confinamento foi dedicado a mim mesma; fiz cursos, conheci amigos pela internet, troquei experiências. Minhas mudanças pessoais, geraram mudanças em toda a dinâmica da minha casa. Percebi que quando eu estou bem, minha família fica bem também. Esse foi o paradoxo que aconteceu comigo no meio de tanta tristeza.”

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Lila Rosana é psicóloga clínica graduada no Brasil. Atualmente mora e trabalha no Canadá, onde atua como counselor. É também sócia proprietária da Scrap in Love, loja online de produtos de arte e scrapbooking. A Scrap in Love tem matriz no Canadá e filial em Sorocaba, Brasil. Nas horas vagas pratica seus hobbies favoritos: scrapbooking, pintura e fotografia.

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Sobre Claudia Bömmels

Claudia Bömmels é fotógrafa, contadora de histórias, viajante e editora da Brasileiros Mundo Afora. Atualmente ela mora em Nanjing na China.

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