Do lado de cá – Obrigada Alemanha!
Quando contei para as pessoas no Brasil que mudaria para a Alemanha, elas reagiram como eu já imaginava: umas apoiaram minha decisão, outras disseram que eu era louca por deixar carreira, família, amigos e ainda ter que aprender uma língua tão difícil como o alemão. Uma das manifestações, porém, me surpreendeu. Me disse uma colega de profissão:
– Não acredito que tu vai morar na Alemanha, esse país de nazistas.
– Isso é passado. A Alemanha é outra hoje, argumentei e encerrei a conversa. Mas a questão ficou na minha cabeça.
Eu já tinha lido sobre as transformações no país, sua força econômica e alta qualidade de vida, mas ainda não conhecia sua forte política de inclusão. Um ano depois daquela conversa, posso dizer com convicção que minha amiga jornalista estava equivocada. Do lado de cá encontra-se estrageiros do mundo todo, turcos em sua grande maioria. Há também os refugiados de guerra ou crises econômicas, esses necessitados de apoio do governo. Eles recebem ajuda de custos para integrarem-se, aprenderem a língua e conseguirem um trabalho.
Claro que nem tudo é um mar de rosas. Existe uma certa resistência dos alemães, porque os impostos para manter esses benefícios sao bem altos. Além disso, como em qualquer programa de inclusão, sempre tem gente querendo “mamar nas tetas do governo.” Mas as pessoas, aqui nascidas ou não, conseguem viver e conviver bem no geral.
Já conheci gente de todo o tipo, mas tem um afegão em especial que me emociona com sua história de vida: o Ahmad. Um homem de estatura média, corpo franzino, tímido e muito educado. Ele tem pouco mais de 30 anos, mas os cabelos grisalhos lhe conferem uma aparência mais madura. É costureio, mas nunca havia pisado em uma escola antes de se mudar para a Alemanha, há três anos. Aprendeu trabalhando. Aliás, trabalhar é o que ele faz desde os sete anos de idade.
– No Afeganistão só estuda quem tem dinheiro. Quem nao tem trabalha, contou.
Com muito esforço, ele conseguiu montar o próprio negócio e vivia razoavelmente bem, segundo sua própria avaliação, em seu país.
– Por que veio para a Alemanha então?
– Porque quero que meus filhos estudem, respondeu.
Viver razoavelmente bem não garantiria o estudo das crianças. Ahmad é pai de três meninos, o último nascido aqui, e frequenta uma escola pela primeira vez em sua vida. Recebe, como seus filhos, aulas e livros pagos pelo governo. Antes de começar a trabalhar precisa aprender alemão. Eu também. Mas o fato, que algumas vezes me incomoda, parece não afetar o humor do Ahmad. Pelo contrário, está sempre sorrindo. Dividimos a classe e ele sempre me pergunta uma coisa ou outra. Às minhas lições de alemão, Ahmad retribui com lições de vida.
Obrigada Alemanha por me proporcionar isso!
Foto: wikipedia
Do lado de cá
Vanessa Bueno é jornalista e expatriada. Mora na Alemanha há um ano e escreve sobre a vida Do lado de cá, ou seja, de fora do Brasil. A ideia é gerar debates sobre as diversas situações que permeiam a vida de brasileiros mundo afora. Falaremos por aqui, por exemplo, de trabalho no exterior, dificuldades com a língua, diferenças à mesa, criação dos filhos, e tudo o mais que surgir, sempre com a participação especial de nossos leitores.
Saudades da pátria foi o tema de estreia. Leia mais aqui: Do lado de cá – Saudades
muito bom o relato!!!!