Tem, mas não está tendo

 

Me perguntaram outro dia qual é, pra mim, a maior diferença cultural entre brasileiros e alemães. Pergunta difícil e resposta complexa. Simplificando, eu diria que uma  delas é o nosso jeito de dar sempre um “jeitinho” em tudo e o jeito alemão (e suiço) de não dar jeitinho em nada.

Duas culturas diferentes se encontram e às vezes se chocam, principalmente nos casamentos binacionais.

Eu não gosto de frases prontas, como “Esse povo daqui nos recebe mal“, “Eles são frios“, “Esses alemães são assim mesmo“. E tantas outras observações pré-fabricadas que generalizam o povo de um país (que não é o nosso), mas que escolhemos para viver. Assim como não suporto frases do tipo “Brasileiro é preguiçoso“, “Brasileiro é malandro“.

Fato é, que os europeus muito admiram a nossa cultura alegre e calorosa. Mas no dia a dia muito do que nós somos se choca com o jeito mais racional de ser das pessoas aqui do norte do mundo. Nós não só damos um jeitinho nas situações complicadas, como também damos um jeitinho no tempo, nos atrasando horrores, por exemplo, para o horror dos europeus. Com o passar dos anos, nós aprendemos a ser mais diretos, mais pontuais, mais organizados e eles se esforçam para darem um jeitinho a mais nas coisas. Questão de convivência, boa vontade e até de sobrevivência própria e do relacionamento.

Outro dia, folheando um livro chamado “Modernes Brasilien – Für Investoren und Manager” – Brasil moderno – para investores e gestores –  eu lí alguns textos escritos por estrangeiros que já trabalharam no Brasil, falando sobre a nossa cultura. Um deles  foi escrito por um executivo chamado Manuel Campos, que visivelmente não é brasileiro, apesar do sobrenome. No decorrer do texto ele fala sobre vários aspectos da nossa cultura e um deles eu gostaria de citar aqui, pois fala da capacidade dos brasileiros em dar sempre o tal do jeitinho, da necessidade de ser cordial (às vezes, custe o que custar) e da incapacidade, de modo geral, de dizer não. Um texto bem legal que quero compartilhar com vocês.

Um não é coisa rara no Brasil!

“No decurso da minha estadia de cinco anos no Brasil, verifiquei que os brasileiros raramente conseguem dizer não. Eles sempre escolhem um desvio, o que, à princípio, eu interpretava como subterfúgio. Verifiquei mais tarde que essa era uma forma inteligente e simpática de evitar descortesia. Achei o tema tão interessante, que, durante as minhas viagens de avião pelo país, sempre procurei fazer perguntas. Alcançada a necessária altura do voo, o pessoal de cabine, como sempre, oferecia o seu leque de bebidas. Nunca consegui saborer a minha bebida preferida, mas em vez disso me deliciei com as mais inusitadas repostas.À minha pergunta: “Tem água de coco?”, recebi a primeira resposta: “Tem, mas não está tendo“. (…) No voo seguinte repeti a mesma pergunta, à qual recebi uma resposta ainda mais curiosa: “Tem, mas acabou!“. Pensei que não valeria a pena continuar a insistir. Mas, isso teria equivalido a uma perda de conhecimentos essênciais sobre a maneira amistosa como o brasileiro se comporta face a outras pessoas. Por isso, não desanimei. Na terceira oportunidade, ecoou nos meus ouvidos a seguinte resposta:” Tem, mas está em falta“. Na quarta tentativa conheci então o côrtes espirito criativo do brasileiro, ao ouvir como reposta:”Tem, mas fico em débito com você“. (…)Viajava eu de São Paulo para Brasília na companhia de um amigo, a quem contei a história atrás descrita. Pela quinta e última vez, quis tentar a minha sorte. Perguntei então se tinham a minha água de coco, recebendo a resposta imediata: “Tem, mas não embarcou em São Paulo“. Desde então alimento um enorme respeito por este povo, que sempre consegue substituir um não por um sim ainda mais belo. Afinal, a vida no Brasil é simplesmente bela. Ou não?”

Manuel Campos é coordenador de projetos na América Latina.

“Manuel Campos, tentamos entrar em contato com você, pois adoramos o seu texto. Esperamos que nesse meio tempo você tenha conseguido beber a sua tão querida água de coco em um voo qualquer.
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Sobre Claudia Bömmels

Claudia Bömmels é fotógrafa, contadora de histórias, viajante e editora da Brasileiros Mundo Afora. Atualmente ela mora em Nanjing na China.

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